sexta-feira, 10 de outubro de 2008

A MULHER DO CHEFÃO

PARTE 7


Anoitecia. Giancarlo Gianini prescutava a paisagem que passava ante seus olhos com uma expressão soturna, o ódio brilhando em seus olhos e queimando em seu íntimo.

Aquelas duas cadelas não perdiam por esperar. Iriam pagar o que haviam feito com ele !

Jean York, porque havia matado dois homens seus e o ferido e insultado. Karla, porque o havia traído.

Aquela puta ! Sua mulher, sustentava por ele com luxo, havia traído ele com a maior frieza, salvando aquela loura que era sua inimiga e fugindo com aquela policial filha da puta !

Iria matá-las, mas com uma morte bem lenta, para que sofressem bastante !

Estava em um carro com três capangas, que recrutara em um de seus cassinos. Na frente, outro carro seguia com cinco homens escolhidos, fortemente armados. Agora, queria ver Jean York escapar deles todos !

Haviam chegado a Milwalkee há meia hora, e agora percorriam as margens do lago à procura da cabana que Jean York deveria estar com Karla. Não seria difícil achá-la. Nas margens do lago Michigan, naquela altura, havia poucas habitações, já que era uma área rural.

O carro da frente parou e um dos homens desceu, vindo até o seu carro, excitado.

-Chefe ! Há uma cabana mais à frente, em um desvio de terra, perto do lago ! E ao lado está o Porsche vermelho de sua mulher !

Gianini sorriu com ar vitorioso.

-São elas ! Vamos atacar de surpresa ! Vamos chegar e cercar a cabana. Se resistirem, vamos invadí-la e abrir fogo.

-Mas você não quer elas vivas ? Na invasão, poderão morrer, atingidas pelas balas.

-Eu gostaria de pegá-las vivas, para terem a morte que merecem. Mas não vamos nos arriscar, se elas não se renderem ao se verem cercadas. A policial é muito esperta. Se resistirem, podem matá-las logo ! Mas se conseguirem pegá-las vivas, será ótimo, vou vingar-me como quero. Vamos !

O homem voltou para o seu carro e Gianini olhou para Bob, que dirigia ao seu lado.

-Chegou a hora, Bob. Vamos ! Pare diante da casa. Vamos chegar e cercá-la, antes de abrir fogo.

Os carros avançaram um atrás do outro, em marcha lenta. O terreno era irregular e os carros balançavam com as pedras no caminho.

De seu esconderijo, Jean os via se aproximarem, deitada atrás de uma pedra, que escondia ela e Karla. Estava ali à espera há várias horas. Sorriu. A idéia de colocar pedras na estrada de terra, para dificultar os carros a avançarem, havia sido muito boa. Com o fuzil pendurado no ombro, tinha dois cartuchos de dinamite nas mãos. Karla segurava o outro fuzil com ar tenso.

-Aí vem eles, Karla. Prepare-se. Quando eles chegarem ao ponto marcado, acenda o pavio.

-Está bem, Jean.

Jean ergueu-se e correu para o outro lado do terreno , uma elevação acidentada distante da cabana. Dali podia vê-los chegar e ficar na retaguarda deles, atacando-os por trás. Acendeu o outro pavio, que ia para a estrada que eles passariam. Havia ensaiado essa tarefa e cronometrado o tempo do fogo percorrer o rastilho. Agora, o carro da frente passaria nos buracos cheios de pólvora na hora que o pavio aceso por ela atingisse o local. O que Karla acenderia explodiria a pólvora meio minuto depois, atingindo o segundo carro.

O primeiro carro chegou ao ponto da armadilha.

Jean olhou, com o coração aos saltos.

E a explosão aconteceu, fazendo o carro ser envolvido por uma bola de fogo, explodindo. O carro de trás sacudiu-se e freou de chofre. Tentou voltar de ré, mas a segunda explosão o sacudiu e ele descontrolou-se, recuando aos solavancos e batendo em uma árvore.

Jean saiu de seu esconderijo e viu Gianini sair do carro e correr para trás de uma pedra com dois homens. Um deles retardou-se, olhando em volta e atirando à êsmo, apavorado.

Jean o mirou e atirou com o fuzil. Acertou-o e o homem caiu, morto. Mas um outro entricheirou-se atrás do carro e abriu fogo em sua direção.

Jean rolou pelo chão, com as balas zunindo à sua volta. O homem continuava a atirar. Arrastou-se para trás de uma pedra, pensando como pegá-lo. Podia jogar a dinamite no carro e acabar com ele, mas para isso teria de erguer-se e seria um alvo fácil.

Karla veio em seu socorro, atirando de trás das pedras. O homem dirigiu os tiros para lá e Jean aproveitou. Acendeu o pavio do cartucho e ergueu-se, atirando-o na direção do carro. Jogou-se no chão.

A dinamite explodiu, envolvendo o carro, que se transformou em outra bola de fogo, lançando vários pedaços para cima.

Jean ergueu o punho de satisfação. Seu plano dera certo ! Agora, só restava Gianini e outro homem.

Gianini, com o outro homem, olhavam boquiabertos o carro em chamas, como o primeiro. Era incrível. Em poucos minutos, Jean York havia explodido dois carros, matando os cincos ocupantes de um deles e dois do outro. E ele ? Não conseguira nem ao menos pegar uma delas ! Ele, o grande Gianini , ser derrotado por uma mulher ! Não ! Ia pegá-la, nem que fosse a última coisa que fizesse na vida ! Não ia ser desmoralizado por uma mulher ! Se seus inimigos soubessem disso, não o respeitariam mais, iam é rir dele !

-Malditas ! – Berrou, fora de si – Vou esfolá-las vivas, quando as pegar ! Vamos, imbecil ! Ataque-as ! Ou vai ficar aí escondido, como um rato ?

O homem olhou para ele com evidente receio.

-Chefe, aqui deve estar cheio de armadilhas ! É melhor ir buscar reforços ! O senhor viu o que ela já fez !

Gianini o fitou com raiva.

-Seu covarde ! Está com medo de duas mulheres ?

-Duas mulheres que parecem dois demônios ! São tão perigosas quanto muitos homens ! Será melhor buscar reforços !

-Não ! Elas fugiriam ! Tem que ser agora ! Vamos nos aproximar com cuidado da casa – Disse, sacando sua arma – Você vai pela frente e eu pelos fundos.

-Mas elas não estão em casa ! O que adiantará ir até lá ?

-Idiota, aqui somos alvos fáceis ! Temos que entrar na casa e esperá-las entricheirados !

-Não acho boa idéia. Elas vão nos encurralar lá !

-Vá em frente, e não discuta minhas ordens, idiota !

Ele fechou a cara ao insulto, mas obedeceu. Escondido pelos arbustos, foi se aproximando da casa. Levava um fuzil automático, de grande poder de fogo.

Escondida atrás das pedras, Jean o viu aproximando-se da casa. Podia tentar alvejá-lo, mas resolveu esperar. Gianini não estava à vista e não queria espantá-lo, matando o último homem dele. Tinha que localizá-lo antes.

E o viu aproximando-se também, por trás da cabana. Jean rezou para ele aproximar-se o suficiente para ser atingido também pela explosão que Karla iria detonar, acendendo o pavio de pólvora.

Mas Gianini pareceu desconfiar de uma armadilha e parou, observando o seu capanga aproximar-se da cabana.

O homem saiu de trás dos arbustos e correu, metendo o pé na porta da cabana. Entrou atirando. O rato caíra na armadilha.

Jean deitou no chão, pensando se Karla havia agido na hora certa.

A explosão ocorreu. A cabana explodiu, num inferno de chamas.

Encolhida, Jean viu pedaços de madeira em chamas subirem e caírem perto dela. Ergueu-se ansiosa, para ver se Gianini havia sido atingido.

Ele estava há uns cem metros da cabana, encolhido e protegendo a cabeça com as mãos. A arma que usava estava caída perto dele.

Jean saiu correndo de seu esconderijo, empunhando o fuzil e gritando:

-Gianini, fique como está ! Se mover-se , eu atirarei !

Karla saiu de trás das pedras e aproximou-se também, correndo com o fuzil em punho.

Gianini ergueu o rosto, vendo-as se aproximarem. Em seu olhar havia frustração e raiva.

Jean parou diante dele, apontando a arma. Seu olhar estava frio como gelo.

-Levante-se, seu patife ! Chegou sua hora final !

Karla parou ao seu lado, ofegante. Estava tensa, mas seus olhos não mostravam mais nenhum medo. A arma nas mãos, os cabelos despenteados pelo vento, as roupas sujas de poeira. Mas ainda assim, bela e atraente.

Jean olhou-a rapidamente, mas concentrou-se em Gianini. Ele ergueu-se com dificuldade, o braço ferido em uma tipóia, o terno antes impecável todo rasgado e chamuscado. Qualquer outra pessoa nessa situação lhe provocaria pena, mas Gianini só a fazia sentir desprezo e ódio. Ali estava o assassino de seu pai, o mandante das mortes de Melanie, Davison e Milles.

Ele a fitou com ódio.

-Sua desgraçada ! Matou todos os meus homens ! – Rosnou.

-Agora é só entre nós, seu miserável. Não há mais nenhuma chance para você. Seu fim chegou.

-O que vai fazer comigo ?

-O que vou fazer ? Vou fazê-lo assinar uma confissão dde todos os seus crimes e depois executá-lo !

Ele a fitou com ódio.

-Nunca farei isso ! Pode executar-me, que não farei o que quer !

-Será que não ? – Sorriu Jean friamente – Eu tenho métodos para fazê-lo vomitar tudo o que quero ! Ou pensa que somente seu capanga Chuck sabia fazer alguém falar ?

Ele empalideceu.

-Você. . . não terá coragem !

-Está com medo, seu canalha ? Precisa sentir o que fêz suas vítimas sentirem ! Ser torturado, pedir para morrer, para acabar com seu sofrimento !

Ele olhou para Karla, que os ouvia sem interferir.

-Karla ! Você é minha mulher ! Viveu comigo, nós nos amamos ! Dei-lhe tudo que desejava ! Convença Jean York a deixar-me vivo ! Eu irei para a cadeia, pagarei meus crimes, se é isso que ela quer !

Karla olhou-o friamente.

-Não me considero mais sua mulher, Gianini. Não venha com essa estória que me amou ! Você somente quis satisfazer seu ego em possuir-me, ter algo que desejava, como um objeto de luxo ! Lembra-se de como ameaçou-me, quando sugeri que devíamos nos divorciar ?

Jean puxou Karla pelos ombros, rodeando-os. Olhou para Gianini com sorriso zombateiro.

-Sua mulher agora é minha, Gianini. Você a perdeu, com seu tratamento egoísta e frio. Nós nos amamos.

A expressão dele passou de um espanto imenso para um ódio mortal.

-Vagabundas ! Cadelas ! São duas cadelas !

Jean deu uma pancada com a arma no rosto dele, furiosa com o insulto. Ele caiu para trás, uivando de dor.

-Jean , pare ! – Gritou Karla – Não perca a cabeça !

Jean a fitou com o ciúme brilhando nos olhos claros.

-Está com pena desse canalha ? Esse assassino frio, que matou meu pai e meus amigos ? Que pretendia matar-nos, vindo aqui com um monte de homens armados ?

-Não ! Mas se vai executá-lo, que seja logo, sem torturas ! Não seja cruel como ele é, Jean ! Você é bem superior, para fazer as mesmas coisas que ele fazia !

Jean olhou para Gianini, que fitava Karla com uma esperança no rosto. Não tinha nenhuma pena dele. Era um frio assassino, que se estivesse em seu lugar, não hesitaria em matá-las com requintes de maldade. Mas Karla tinha razão. Não iria adotar os métodos dele, igualando-se à aquele assassino.

-Está bem, Karla. Vou executá-lo logo e acabar com tudo isso. Logo a polícia estará aqui, por causa das explosões, e eu não vou fugir com esse assassino por aí.

Mirou a arma no peito dele e disse, com voz fria:

-Gianini, tenho mil motivos para executá-lo. Mas vou fazê-lo pela morte de meu pai.

Ele a fitou horrorizado.

-Não ! Não ! – Gritou.

Jean apertou o gatilho três vezes. Gianini caiu para trás, os olhos fitando o vazio, morto.

Jean jogou a arma no chão. Olhou para Karla, que fitava o marido com certa piedade. Ela entendeu. Afinal, haviam vivido juntos por dois anos. Tomou-a pela mão. Karla a fitou com um olhar sem expressão.

-Acabou. Vamos embora daqui.

Afastaram-se dali, sem olhar para trás.

O carro estava cheio de fuligem, com os vidros quebrados pelo deslocamento de ar das explosões. Mas o motor funcionava perfeitamente.

-Acho que dá para sair daqui até pararmos em um posto para lavá-lo e mandar colocar os vidros – Disse Karla, com voz sem emoção.

Jean notou isso. E entendeu, novamente. Também se sentia assim. Depois da execução de Gianini, toda a tensão e medo se esvaíram, deixando-as naquele estado de insensibilidade. Precisavam agora se acostumar a um novo estado de paz, sem ameaças ou medo, de tempo marcado para estarem juntas.

Karla ligou o carro e saiu dali com alívio . Ao longe, ouviram as sirenes da polícia que viera ver os motivos daquelas explosões, que haviam sido percebidas longe, pelo clarão do céu.



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Jean empurrou a porta da sala do seu chefe e entrou. Steve Spader ergueu os olhos dos papéis que lia e a fitou, sorrindo de maneira cordial.

-Sente-se, Jean. O que deseja de mim ?

Jean sentou-se diante dele e o encarou. Ele parecia preocupado. O achado do corpo de Giancarlo Giannini, com os dos outros homens em Milwalkee, havia agitado a mídia. Estava em todos os jornais e tvs. A especulação de que as mortes fossem o resultado de uma guerra entre gangsters era a mais forte probabilidade existente e mais aceita pelas pessoas. Fôra uma carnificina, sem sobreviventes. Se fosse a polícia, teriam preferido prender os bandidos. E assumiram a glória de tê-los mandado para a cadeia, menos Gianini, que não tinha nenhuma ordem de prisão decretada.

Ela falou com a voz baixa:

-Spader, fui eu quem matei Gianini e seus homens.

Ele a fitou sem surpresa.

-Eu já tinha certeza, Jean. Mas estava esperando você vir falar-me.

-Não vim antes por que tinha de resolver umas coisas particulares. Sabe que eu morava com Melanie. E ela foi assassinada por um capanga de Gianini. Tive de mudar para a casa de meu pai e comunicar aos parentes dela a sua morte.

-Então, já sabe que o corpo dela foi encontrado ontem, perto do cais, em um saco plástico ?

-Sim. Danny ligou para minha casa, dando-me a notícia. Mas vocês ainda não acharam os corpos de Davison e Milles, não ?

Ele a encarou sério.

-Não. Eles sumiram e imaginamos que estivessem mortos, mas não tínhamos essa certeza. O que houve com eles, foram pegos pelos homens de Gianini ?

-Sim. O próprio Gianini contou-me. Eles os jogaram no lago Michigan, depois de mortos.

-Espere, conte-me essa estória desde o início !

-Pois bem, Spader. Vou resumí-la em poucas palavras: você deu aos grupos autonomia de ação. E eu escolhi o plano de aproximar-se da mulher de Gianini através de uma simulação de assalto. Melanie roubou a bolsa dela e eu a interceptei na rua, fingi lutar com Melanie e a dominei. Davison e Milles participaram como policiais, levando Melanie presa, aos olhos da mulher de Gianini. Ela ficou impressionada com a minha atuação e convidou-me para trabalhar com ela como sua guarda-costas. Assim, tive acesso à casa de Gianini. Mas ele começou a desconfiar de mim, quando matei um capanga dele. A mulher de Gianini contou-me isso, por que se tornou minha amiga. Ela detestava o marido, ele a ameaçava de morte , se tentasse divorciar-se dele.

Ele a fitou admirado, colocando a mão no queixo.

-Você foi trabalhar na casa de Gianini ? Que loucura, garota ! Não sei como está ainda viva !

-Estou viva porque a mulher dele salvou-me . Gianini descobriu que era vigiado por meus colegas e os pegou. Tentei agir, mas eles disseram que estavam com Melanie prisioneira e rendí-me. Fui levada para um quarto e vi Melanie lá, amarrada. Fui agredida e perdi os sentidos. Quando voltei à mim, Melanie estava morta. Gianini já sabia quem eu era e ia torturar-me, para depois matar-me. Mas a mulher dele chegou no quarto armada e libertou-me. Matei os dois capangas dele e fugi com Karla Gianini. Fui para a cabana de meu pai e o esperei lá, com várias armadilhas. E consegui matar eles.

-Jean, como conseguiu fazer aquilo tudo ? Eram oito homens contra você, contando com Gianini !

-Com imaginação. Fiz armadilhas com pólvora e dinamite. Um carro explodiu logo ao chegar. E o outro também. Foi fácil eliminar os restantes.

Spader a fitou boquiaberto.

-Jean, sabe que conseguiu o que muitos homens não conseguiram ? Estou pasmo !

Ela o fitou com tristeza.

-Mas não consegui salvar Melanie e os outros colegas.

-E a mulher de Gianini ?

-Ela ajudou-me muito. Queria livrar-se da perseguição do marido, pois sabia que ele não iria perdoá-la por ter-me salvado.

-Caramba ! Essa mulher devia odiar muito o marido, para ter a coragem de traí-lo !

Jean ficou calada. Nunca diria a ninguém que a paixão e o amor guiara os atos de Karla.

-Eu sabia que era você a autora daquelas mortes, Jean. Mas pensava que tinha tido a ajuda de Davison e Milles. A cabana de Milwalkee era de seu pai e para Gianini ter ido para lá, só podia ter sido atraído por vocês. Mas em meu relatório, não falei em minha suspeita. Coloquei que tudo indica ser uma guerra de gangsters. Já perdi Melanie, Milles e Davison. Não quero expor você à vingança da Máfia.

Jean o fitou com gratidão.

-Obrigada, Spader. Sei o quanto lhe custa fazer isso. Seria a maior glória para seu departamento poder dizer que acabou com aqueles criminosos.

-Não sou tão bonzinho como pensa, Jean. Fiz o que é mais sensato . Sei que por trás de Gianini havia muita gente importante. E provar que ele havia sido morto por uma pessoa sob meu comando ia dar-me muita dor de cabeça.

Jean o fitou com um brilho nos olhos.

-Spader, tem uma coisa que esqueci de contar. Houve um jantar na casa de Gianini e consegui fotografar o juiz Weckman e o inspetor de polícia Norman Cleave lá, na casa de Gianini, conversando com ele. É uma prova clara do envolvimento dos dois com a Máfia.

Spader empalideceu.

-Norman Cleave ?! O juiz Weckman ?! Meu Deus, os dois são meus amigos, de muitos anos ! É difícil de acreditar !

-Mas pode acreditar, Spader. E eles pareciam muito íntimos de Gianini. Cochichavam e riam, os três.

-Onde está essa foto ?

-Comigo, em casa.

-Jean, quero essa foto ! Por que não me disse logo, pelo amor de Deus !

Jean olhou para Spader, procurando esconder a sua surpresa. Nunca o tinha visto tão transtornado. Nem quando soubera da morte de seu pai. E eles eram tão amigos ! Algo a fêz recuar no que declarara:

-Pensando bem, Spader, não sei se a possuo ainda. Tenho que verificar. Tirei-a na casa de Gianini e na fuga, não sei se a carreguei comigo. Ainda está no filme, não a revelei.

-Vamos até à sua casa procurá-la, Jean !

Jean sorriu para ele.

-Calma, Spader ! Antes , quero conversar com você algo que pretendo !

Ele respirou fundo, cruzando os dedos das mãos.

-O que é, Jean ?

-Queria uma licença por um mês. Preciso de um tempo para mim, Spader. Preciso colocar minha vida em ordem. A morte de meu pai , a morte de Melaine, tudo isso mexeu com minha vida. Como disse, mudei para a casa de meu pai, mas não estou sentindo-me bem lá. Preciso procurar outra para morar.

Spader olhou-a pensativo. Depois, sorriu.

-Uma licença de um mês é muito justo, Jean. O que você conseguiu, é muito difícil. Acabar com um bandido como Gianini é algo que merece até um prêmio. Mas só posso dar uma licença sem vencimentos, porque o que fêz não pode ser comentado com ninguém. E estranhariam eu fazer essa concessão à você.

Jean ergueu-se.

-Tudo bem, Spader. À partir de hoje, está bem ?

-Tudo bem. Mas , e a fotografia ?

-Agora tenho um compromisso inadiável, de ordem pessoal. Vou procurá-la com calma e quando a achar, eu lhe telefonarei.

-Está bem, Jean. Estarei esperando. Não demore com isso.

-Amanhã vou viajar para a Flórida. Telefonarei antes.

-Vai viajar ? Já está decidido isso ?

-Sim. Eu iria mesmo sem licença, Spader. Mas foi melhor com ela. Até amanhã.

Apertaram as mãos e Jean saiu. Pegou seu carro e dirigiu-se para casa, ansiosa para chegar.

Estava agora residindo temporáriamente na casa de seu falecido pai. Karla estava hospedada lá, resolvendo sua vida. Com a morte de Gianini, herdara todos os negócios, além das propriedades que ele possuía : cinco cassinos espalhados em Las Vegas, três night clubs, a casa em que moravam, uma outra em Miami e uma em San Diego, Califórnia.

Karla não queria continuar com nenhum negócio de Gianini. Sabia que a maior parte deles estavam ligados à atividades ilegais. Havia fechado a venda dos cassinos com um milionário texano e doara o dinheiro à fundações filantrópicas.

A casa que morava com Gianini, pusera à venda. Pretendia ir viver em Miami ou San Diego e queria que Jean largasse a polícia para ir viver com ela. Jean hesitava, apesar de amá-la muito. Viver às custas de Karla, com o dinheiro herdado de Gianini, não a atraía muito.

Jean estacionou o automóvel diante do prédio e subiu os dois lances de escada correndo. Deu três toques na campainha, um sinal combinado com Karla.

Ela abriu a porta o suficiente para ver quem era , com a corrente. Viu que era Jean e sorriu luminosamente, retirando a corrente e abrindo a porta completamente.

Jean entrou e fechou a porta, fitando-a . Karla abraçou-a apertadamente, colocando-se ao seu corpo e a beijou. Jean retribuiu o beijo com ardor, sentindo como sempre uma doce emoção em ter Karla nos braços.

Karla afastou a boca, para fitá-la ansiosa.

-E então, meu amor ? Conseguiu a licença ?

-Sim. Spader liberou-me, já desde hoje.

Ela a fitou atentamente.

-Então, qual é a razão desse vinco em sua testa ? O que a preocupa ?

Jean sorriu, soltando-a e tirando o casaco.

-Nada de importante. Coisas do trabalho.

-Não quer contar-me o que é ?

-Não vale à pena – Disse, colocando o casaco no cabide do hall de entrada – Já fêz o jantar ? Estou morrendo de fome.

Karla sorriu, puxando-a pela mão.

-Venha ver. Fiz um jantar especial para nós.

Jean avançou pelo hall até a pequena sala de refeições. Havia uma mesa posta, com travessas, luz de velas e flores.

Jean assobiou e ergueu as tampas das travessas. Viu um souflê de legumes, dourado e de aspecto saboroso. Em outra, uma carne assada com azeitonas e fatias de abacaxi rodeando-a, exalando um cheiro tentador.

Jean abraçou Karla pela cintura, sorrindo.

-A que se deve este jantar especial, minha querida ? Luz de velas ! Há quanto tempo não tenho um jantar assim!

Karla a fitou com os olhos azuis expressando uma certa decepção.

-Não lembra, amor ? Que dia é hoje ?

Jean fingiu pensar. Os olhos a fitaram surpresos.

-Dia vinte de novembro. . . hei ! Hoje completamos duas semanas de conhecimento !

Beijou-a rapidamente nos lábios e riu, fitando-a .

Karla pousou a cabeça em seu ombro, abraçando-a apertadamente.

-Você lembra ? Eu lembro tudo, com detalhes. . .

Jean apertou-a nos braços, suspirando.

-Claro que sim, meu anjo. . . eu a olhei e fiquei encantada. . . mesmo pensando tão mal de você.

-E eu fiquei impressionadíssima com sua atuação, sua aparência. . . você transmitiu-me segurança, confiança e sinceridade. E quando contou-me que gostava de mulher, fiquei eufórica. Eu já estava bastante atraída por você.

-E eu, apaixonada. . .

-Não pude conter-me mais. . . quis ser sua. E na outra vez que nos encontramos, eu a chamei para irmos dançar. . . e naquela buate, quando você abraçou-me, não resisti. Provoquei-a porque estava louca para ter você. Eu já estava completamente apaixonada , mas não sabia disso.

-E eu fiquei fora de mim, com você nos braços.Nunca senti tanto desejo por uma mulher- Declarou Jean, com voz emocionada.

Karla ergueu o rosto e a fitou nos olhos, apaixonadamente.

-Eu a amo, Jean. . . não saberia mais viver sem você.

-Eu também a amo muito, Karla. . .

-Então, largue a polícia. . . vamos embora daqui.

-Karla, meu amor. Não quero tomar uma decisão precipitada, já disse que não me agrada ser sustentada por você, com o dinheiro de Gianini.

Karla desvencilhou-se de sueus braços, com ar aborrecido.

-Jean, será que não entende que é um dinheiro que pertence-me agora, por direito ? Eu era a mulher legítima dele e esse dinheiro é uma espécie de compensação pelo tempo que sofri nas mãos dele !

Jean a fitou com um vinco na testa.

-Eu sei, Karla. Mas também há o meu trabalho. Não quero abandonar minha profissão, gosto do que faço. Tenho de pensar no que devo decidir fazer.

-Eu não quero perder você, Jean. Se quiser, abro mão da herança de Gianini, como já fiz com os cassinos. Eu só quero ir embora daqui. Não acredito que possamos ter paz nessa cidade. Os amigos de Gianii me conhecem e não vão deixar-me em paz.

-Não, Karla ! Não quero que renuncie à uma vida sem preocupações por minha causa. Não posso oferecer-lhe muita coisa e não me perdoaria em vê-la lutando para sobreviver por causa do que penso sobre o dinheiro dele. Calma. Vou tirar a licença. Viajaremos para Miami e tentarei um emprego lá. Se conseguir, nos mudaremos. Pelo menos, quero ganhar meu dinheiro. O máximo que posso concordar é morar com você, mas podendo pagar minhas despesas pessoais.

Karla fez uma expressão desanimada.

-Mas meu bem, como conciliar as duas coisas ? Você quer que eu fique com o dinheiro de Gianini, mas não quer desfrutar dele comigo !

-Não é bam assim. Até posso aceitar viver com você na casa que você herdou dele, mas as minhas despesas pessoais, quero estar em condições de fazer. Vou aceitar ser mantida por você, já não é uma concessão garnde ? Mas vamos resolver isso quando viajarmos.

Karla tornou a abraçá-la, alisando seu rosto.

-Oh, querida ! Estou ansiosa para irmos embora daqui ! E viver sem medo de haver alguém nos vigiando ou perseguindo.

-Amanhã iremos, está bem ? Ficaremos um mês juntas, desfrutando de nosso amor em Miami.

-Oh, Jean. . . será maravilhoso. . .

Beijaram-se profundamente. Jean pousou a mão no seio dela, alisando-o. Karla riu e empurrou-a suavemente.

-Mais tarde faremos isso, amor. . . agora você vai tomar um banho e vestir uma bela roupa, para jantar comigo.

-Minhas roupas são tão simples. . . – Disse, fazendo cara feia.

-Não tem importância. . . vá! – Karla apontou a porta, rindo.

Jean sorriu e foi para o banheiro. Tomou um banho de ducha e enxugou-se. Foi para o quarto e escolheu um conjunto de malha negra, penteou os cabelos e perfumou-se. Voltou à sala.

Karla a esperava sentada na mesa, com uma música suave tocando no som, criando um clima romântico.

-Adoro Diana Krall ! – Disse Jean, sentando-se diante dela – E adoro o seu bom gosto musical, Karla.

Ela sorriu docemente, estendendo-lhe um copo de vinho branco alemão.

-Está linda com essa roupa, amor. Vou serví-la.

Jean sorriu, feliz. Estava cada dia mais apaixonada por aquela mulher maravilhosa. Agora que a conhecia mais profundamente, com a convivência, descobria outras qualidades que aumentavam sua admiração por ela. Afinidades de gostos , a inteligência, uma mulher companheira, leal, ardente e sensível.

Karla estendeu o prato, sorridente.

-Espero que aprecie. Foi feita com muito amor.

-Karla, sua comida é deliciosa. Essa então, só de olhar e sentir o cheiro, dá para sentir que está apetitosa.

Deu uma garfada e levou à boca. Karla a olhava em expectativa. Sorriu para ela.

-Deliciosa. Assim, vou acabar engordando e você não vai gostar, minha querida... – Disse, rindo.

-Não tem problema. . . gosto de você de qualquer jeito.

Jantaram em um clima romântico, olhando-se com amor e de tempos em tempos, suas mãos se buscando e entrelaçando os dedos, numa necessidade de se tocarem, extravasando o amor que sentiam.

Ao término da refeição, Karla puxou-a pela mão e Jean entendeu, fitando aqueles olhos cheios de paixão. Foram para o quarto abraçadas e chegando lá, suas bocas se buscaram alucinadas e seus corpos se juntaram em um abraço cheio de desejo. Karla alisava seu rosto, descia para o pescoço, seus ombros, numa impaciência louca para tê-la nua. Jean ergueu a saia dela com as mãos, explorando as coxas roliças e macias, apertando-as suavemente. A mão espalmou na frente da calcinha, apertando, apalpando. Karla ofegou e beijou-a pelo rosto todo, murmurando excitada:

-Jean. . . Jean. . . quero-a tanto. . . desejo-a com loucura. . .

-Karla. . . você me deixa louca. . . – Ofegou Jean, sentindo o desejo dominá-la.

Um toque de campainha as sobressaltou.

Elas se afastaram e Jean pegou sua arma sobre a cômoda, alerta. Karla a fitou vermelha e ofegante.

-Espera alguém, Jean ?

Jean respirou fundo, para normalizar sua respiração.

-Não. Somente Spader sabe que estou aqui. Olhe, ali na primeira gaveta da cômoda está sua arma. Fique aqui e só interfira se achar que preciso de ajuda.

Karla assentiu, com olhar amedrontado.

Jean saiu do quarto e encostou a porta, deixando uma abertura para Karla poder ouvir. Com sua pistola na mão, dirigiu-se para o lado da porta da sala e parou, expectante. A campainha tornou a tocar.

-Quem é? – Perguntou, em voz alta.

-Spader. Pode abrir, Jean.

Jean reconheceu a voz dele, mas ainda assim, olhou pelo olho mágico. Era mesmo Spader, de capa de chuva, com um sorriso nos lábios.

Abriu a porta, colocando a arma no cós da calça. Ele entrou, fitando-a com um sorriso irônico.

-Gostei de ver. É cautelosa, heim ?

-É necessário, em nossa profissão – Respondeu, fechando a porta e voltando-se para ele.

Spader olhou em volta, com as mãos nos bolsos da capa.

-Está sozinha, Jean ?

-Sim. A que devo essa visita inesperada, Spader ? – Sorriu Jean, fitando-o curiosa.

-Você não ligou. Estou ansioso para ver a foto – Disse, encarando-a.

-Eu ia ligar, Spader. Acabei de jantar à pouco. Mas, tudo bem. Vou pegar o filme, que ainda está no isqueiro-máquina. Venha até à sala.

Spader a seguiu. Jean foi até a uma mesinha com gaveta e abriu-a, pegando o isqueiro. Estendeu-o para Spader.

-Aqui está. É um microfilme com três fotos batidas.

Ele pegou o isqueiro e guardou-o no bolso da capa. Sorriu para ela.

-Muito bem, tudo certo – Disse ele – Agora, só resta fazer uma coisa.

Jean o fitou nos olhos. Não gostou do olhar dele. Era um olhar duro e frio. Ele tirou do bolso da capa uma pistola e apontou para ela.

Jean olhou para a arma e novamente para ele.

-Para que essa arma, Spader ? – Perguntou, em voz alta.

Ele riu, olhando-a com um cinismo que Jean não conhecia nele.

-Fale baixo, garota, ou os vizinhos vão ouví-la ! Para que a arma ? Para executá-la, Jean!

Jean o fitou confusa.

-Não estou entendendo. . . que brincadeira é essa ?

O olhar de Spader congelou e ele falou com voz dura:

-Não é uma brincadeira, Jean. Você foi longe demais, descobriu coisas que não devia.

-Spader, você queria que eu destruísse Gianini ! Deu-me até meios para isso !

Ele sorriu friamente.

-Sim, eu queria que você o destruísse. Sabe por quê ? Porque Gianini já estava ficando poderoso demais, e um outro homem estava querendo assumir o lugar dele. Massimo Santera, para quem trabalho. E você fez o trabalho para mim. Eu sabia que você ia matá-lo, por isso a designei para chefiar o grupo que cuidaria dele. Você o caçaria sem tréguas ou piedade, porque tinha o sentimento da vingança para impulsioná-la.

Jean o fitou decepcionada. Seu modelo de honestidade era um embuste ! Um canalha pior que Gianini, porque traía a lei que jurara defender.

Ele prosseguiu, com um sorriso cínico:

-Eu estava satisfeito com o seu trabalho, Jean. Mas você foi longe demais, como seu pai.

Ela o fitou nos olhos, sem entender.

-O que meu pai tem a ver com isso tudo ?

-Simples, Jean. Ele também descobriu coisas que não devia. Descobriu a ligação do juiz Weckman e do inspetor Cleave com Gianini. Descobriu a minha ligação com eles e Massimo Santera. Não tive alternativa, senão entregá-lo aos homens de Gianini.

Jean entendeu tudo. O jogo duplo de Spader. Era mais um policial corrupto, que se vendia por dinheiro. E ele havia entregado seu pai a Gianini ! Era revoltante, nojento !

-Seu miserável ! – Disse, entredentes – Você traiu meu pai ! Seu colega de profissão, seu amigo de anos !

Ele sorriu, imperturbável.

-Era eu ou ele, garota esperta. Seu pai ia denunciar-me. Ele me viu com Massimo Santera. Tive de calar a boca do metido a honesto. E vou calar a sua. Weckman vai agradecer-me muito. E Norman Cleave vai dar-me uma boa compensação.

-Por que, Spader ? Por que meteu-se com o crime organizado, você, que teve um irmão assassinado por eles ? Que se mostrava o mais obstinado combatente ao crime ?

-Boa pergunta, Jean. A morte de meu irmão mostrou-me que eu estava errado. Morrer para defender uma causa perdida ! Não quis repetir o erro dele. Conhece um ditado que diz:
“Se não pode derrotar seus inimigos, junte-se à eles” ? Eu fiz isso e me dei bem. Agora tenho dinheiro em um banco na Suíça, com a qual viverei tranqüilo o resto dos meus dias.

Jean o fitou enojada.

-Sua consciência vai deixá-lo viver tranqüilo ? Com um dinheiro que ganhou à custa da traição e da morte de seu amigo ?

-Claro que vou ! O mundo é dos espertos, Jean. – Disse , rindo.

Os olhos de Jean brilharam de ódio.

-Tenho nojo de gente como você, Spader ! Você é pior que Gianini e todos os mafiosos juntos ! Um traidor, dissimulado por trás de um cargo respeitado !

Ele parou de rir e a fitou com raiva.

-Chega de conversa ! Pode se considerar morta, sua intrometida ! Deite-se no chão !

-O que vai fazer ?

Ele sorriu friamente, fitando-a com crueldade.

-Simples. Vou fazer sua morte parecer um crime de estupro, seguido de assassinato. E vai ser muito bom estuprar você, boneca. Sempre a achei muito gostosa.

Jean rezava para Karla estar ouvindo tudo e salvá-la. Era sua única chance. Do contrário, ele a mataria.

-Jogue sua arma fora e deite no chão ! Ande !

Jean tirou a arma do cós da calça e jogou no chão, obedecendo. Conhecia Spader muito bem, para tentar alguma coisa.

-Deite ! Não me faça perder a calma, Jean !

Jean escorregou para o chão, tensa, pensando o que poderia fazer para escapar.

Spader curvou-se para ela. Com a mão livre, deu um puxão em sua calça, descendo-a até os joelhos, com a arma encostada em seu peito. Jean ficou imóvel. Qualquer reação, naquele momento, poderia fazer a arma disparar.

Ele, com outro puxão, rasgou sua calcinha e olhou alucinado para seu púbis, passando a língua pelos lábios secos. Ele montou sobre ela, prendendo seu corpo. Com a mão esquerda, desajeitadamente desafivelou o cinto e abriu a calça.

O que Karla estava esperando? Pensou Jean, desesperada.

Ele colocou o sexo para fora, com um grunhido de satisfação. Deitou sobre ela e Jean sentiu, apavorada, o membro tentando penetrá-la.

-Seu sujo ! Largue-a !

Spader voltou-se assustado, ao ouvir o grito em suas costas. Jean viu que a arma dele momentâneamente se deslocou para o lado, saindo de seu peito. Empurrou Spader para trás com as mãos, com toda a força que possuía. Ele caiu de costas, gritando de raiva, a arma disparando para o teto. Tentou erguer-se novamente, ao mesmo tempo que dois tiros se fizeram ouvir.

Jean ergueu-se de um pulo, olhando para Karla.

Ela tremia , com a pistola na mão, olhando para Spader com os olhos arregalados.

Jean olhou para Spader. Ele estava caído de costas, com as pernas dobradas, com expressão de surpresa no rosto. Os tiros haviam atingido suas costas.

Karla pousou a arma sobre a mesa. Estava pálida e apavorada com o que fizera. Jean correu e abraçou-a. Ela tremia.

-Está tudo bem, Karla. . . acabou. O perigo passou – Disse suavemente, tentando acalmá-la.

Ela a fitou com os lábios trêmulos.

-Eu tive que matá-lo, Jean ! Ele ia estuprá-la !

-Eu sei. E , por Deus, como demorou a intervir !

-Eu demorei porque estava gravando toda a conversa, Jean. Quando você perguntou em voz alta para que era a arma, eu tive a idéia de usar um gravador que já havia notado no quarto. Liguei-o com o microfone, pois percebi que ele ia dizer coisas importantes e você poderia usar essa prova contra ele.

Jean a fitou com um sorriso divertido.

-E enquanto você brincava de espiã, eu sofria nas mãos dele ! Karla, pensei que não fosse intervir à tempo !

-Desculpe-me, amor. Mas eu pensei que seria bom você poder ter uma prova contra ele. Acho que exagerei, não é ? – Perguntou, fitando-a insegura.

Jean suspirou, sacudindo a cabeça.

-Agradeço sua iniciativa, querida. Mas não vai adiantar. Como já viu, há muita corrupção e gente importante metida com a máfia. Se eu denunciá-lo, isso será apenas a ponta do iceberg, e os restantes vão reagir. E como Spader, vai ter outro tentando calar minha boca. E será isso mesmo que desejo, viver a vida fugindo de inimigos ocultos, com medo de todas as pessoas que nos cercarem ? Karla, estou enojada da polícia, da máfia, de toda essa podridão que nos cerca. Spader fêz-me ficar desiludida com a profissão que exerço. Sei que ainda há muitos policiais honestos, que arriscam suas vidas para combater o crime. Mas, quem são realmente eles ? Estou cansada de ver tanta traição e sujeira, Karla. Perdi minha motivação para continuar na polícia. Estou decepcionada, desiludida com a lei. Vou sair da polícia e tentar a profissão de detetive particular. Estou cheia dessa sujeira toda !

Karla ouviu o desabafo dela emocionada. Era o que mais desejava. Porém, ponderou:

-E vai deixar o juiz Weckman e o inspetor Cleave impunes ? Isso não vai incomodá-la ?

Jean a fitou. A idéia veio clara à sua mente.

-Eu sei como agir. Vou remeter as fotos para o FBI. Eles cuidarão do caso, sem a minha interferência. Remeterei anonimamente, sem identificação, apenas explicando o caso.

Olhou para o corpo de Spader.

-Agora , vamos nos desfazer do corpo desse patife. Não posso dizer à polícia que o matei, sem explicar o ato. E não posso falar nada, ou mexeria com a estória toda.

Karla corrigiu:

-Fui eu quem o matou, Jean. Não você.

-Sim, mas para salvar-me – esclareceu, olhando-a ternamente – Mais uma vez, salvou minha vida, Karla. E estamos nisso juntas.

Karla a abraçou, pousando sua cabeça em seu ombro.

-Eu faria tudo por você, Jean. Você é a coisa mais importante de minha vida.

Jean beijou-a nos cabelos e afastou-a delicadamente.

-Vamos fazer logo esse serviço, Karla. Depois, iremos embora daqui.

Jean apanhou dois sacos de lixo grandes e os emendou, depois de colocar o corpo de Spader dentro, ajudada por Karla. Limpou as manchas de sangue do tapete com uma escova e vinagre. Recolheu a arma de Spader com uma luva e a jogou dentro do saco. Olhou para Karla, que a observava com o rosto tenso.

-Vou colocar o carro nos fundos do prédio. Levaremos ele por lá – Anunciou – Espere aqui.

Saiu e olhou em volta. O corredor estava deserto. Já era mais de oito da noite e as pessoas estavam dentro de suas casas, jantando, vendo tv, ou outra atividade caseira, naquela noite de chuva torrencial.

Desceu as escadas silenciosamente e abriu a porta da entrada do prédio. Chovia muito e a rua estava deserta. Ótimo. Correu para o carro e entrou nele, dando partida. Rodeou o quarteirão e parou na rua que passava nos fundos do prédio.

Voltou ao apartamento, procurando não fazer nenhum ruído que chamava a atenção dos vizinhos. Felizmente, o apartamento ao lado do seu estava com a tv alta demais, em um filme policial. O tiroteio do filme devia ter-se confundido com os tiros que Karla dera em Spader.
......
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